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Resenha: O monge e o executivo


Recentemente tive a oportunidade de ler o livro de James C. Hunter “O monge e o executivo: Uma história sobre a essência da liderança”. Nele Hunter retrata a história de John Daily, um executivo que, após encontrar sérias dificuldades na vida profissional e particular, procura ajuda em um retiro sobre liderança num mosteiro. Durante uma semana Daily e outros participantes tem encontros com Leonard Hoffman, uma lenda no mundo dos negócios que largou tudo para se tornar frade naquele mosteiro. Durante os encontros eles tocam pontos vitais para definir as características, métodos e sentidos de um caráter de liderança.

Hunter utiliza diálogos simples e estimulantes para explicar conceitos pertinentes à qualidade da liderança. As indagações feitas pelos personagens a cerca dos assuntos abordados contribuem para que o leitor obtenha o máximo sobre o assunto abordado.

No primeiro capítulo Hunter faz uma distinção clara entre gerenciamento e liderança, autoridade e poder. Segundo o autor gerenciamento diz respeito às coisas que precisamos controlar. Gerenciamos nossas vidas, nosso talão de cheques nossos recursos, mas não fazemos isso com pessoas. Pessoas devem se lideradas. Pela definição apresentada no livro temo que “Liderança: É a habilidade de influenciar pessoas para trabalharem intusiasmaticamente visando atingir os objetivos identificados como sendo para o bem comum” (pg 25). Neste capítulo Hunter ainda explora a diferenciação entre poder e autoridade. Poder pode ser entendido como a forma coercitiva que usamos para obrigar alguém a fazer algo que queremos. Já a autoridade exige que tenhamos certa influência pessoal afim de que as pessoas sejam levadas a fazer algo pelo fato de estarem emocionalmente ligadas a nós. Outro ponto interessante sobre autoridade e poder diz respeito a como o poder é uma faculdade e pode ser tirado de alguém assim como foi dado enquanto a autoridade é uma habilidade e se relaciona em como a pessoa é, como é o seu caráter e, portanto, não pode ser tirada ou vendida.

Mudar nossa forma de pensar e não nos apegarmos aos velhos paradigmas passa a ser um assunto corrente no segundo capítulo do livro. A questão da mudança e transformação é aplicada à forma como atualmente alguns líderes têm se relacionado com seus subordinados. Atualmente muitas organizações não focam os clientes como a finalidade pela qual existe a empresa. Desta forma os funcionários estão preocupados em apenas manter o superior satisfeito e, como um efeito cascata, toda a organização entra nesse modelo. No entanto uma alternativa sensata a esse antigo arquétipo foi mostrada no livro. Segundo Hunter, os funcionários devem estar preocupados em servir aos clientes e os supervisores aos seus subordinados. Liderança servidora. Uma alteração nesse antigo paradigma obviamente não é facilmente implantada nas empresas, porém é visível que, nas empresas onde existe esse clima, o relacionamento dos funcionários entre si, como os clientes e com os supervisores passa a ser excelente.
O modelo de liderança servidora é bem explorado pelo autor. Jesus de Nazaré teria sido, segundo o autor, um dos maiores líderes de todos os tempos. Sem usar nenhuma forma de poder, pois não o tinha, ele propagou a mensagem de que para liderar devemos servir, ou seja, identificar as reais necessidades do outro e supri-las. Para isso haverá a necessidade de sacrifícios. Esses sacrifícios estão baseados no amor. “Amor é o que o amor faz” (pg 68). É a ação compreender, de se por no lugar do outro. Tal aspecto do amor passa a ser tão importante que o autor o explora em outro capítulo. E por fim o amor estaria baseado na vontade, isto é, a intenção seguida da ação.
A ação do amor passa a ser esmiuçada no capítulo quatro. O autor toma como base as variantes de “amor” em grego: eros, atração sexual; storgé, relacionamento entre familiares; philos, amor fraternal e ágape o amor incondicional em que faz-se o bem a outrem sem querer nada em troca. Esse último é um amor baseado no comportamento. A partir da caracterização de qual seria o amor a ser usado com a liderança o autor lança mão de palavras-chave que formariam o caráter de um líder: paciência, bondade, humildade, respeito, generosidade, perdão, honestidade, compromisso.
O capítulo quinto trata de um tema extremamente pertinente à área administrativa: a criação de ambientes propícios para a formação das pessoas. O relacionamento que temos com as pessoas é um fator decisivo em como elas irão crescer e se desenvolver durante a vida. Quando conhecemos alguém nossa relação com essa pessoa é neutra, mas à medida que vamos tendo tratamentos recíprocos podemos aumentar nossa “conta de relacionamento”, com atitudes altruístas e que valorizem o outro, ou diminuí-la, com atitudes egoístas e que menosprezem a individualidade daquela pessoa.
A escolha, o livre arbítrio, e a responsabilidade sobre nossos atos são apontados no sexto capítulo. Segundo o autor Sigmund Freud teve uma influência negativa sobre a sociedade atual. A característica contemporânea de apontar fatores determinísticos para os atos das pessoas passa pelo legado da psicanálise de Freud. Hunter enfatiza que temos sim a capacidade de escolher e devemos nos responsabilizar por nossos atos. Apesar de ter descaracterizado a questão do determinismo, o autor, com um caráter extravagantemente libertário, coloca o homem como um ser imune às ações da sociedade que o cerca. Hunter pecou ao afirmar que o homem é um ser livre, possuidor do cristianizado livre-arbítrio. Não se pode negar as diversas implicações extremamente negativas que as idéias determinísticas causaram e causam à sociedade atual, no entanto devemos ponderar que a capacidade do homem julgar o que lhe parece melhor não é maior que a capacidade de a própria sociedade agir sobre seu julgamento, seja com regras morais, religiosas, ou jurídicas.

Liderar, portanto, compreende uma afirmação ou mudança diária da capacidade do indivíduo ver, relacionar-se, comprometer-se, servir, arriscar-se, e realizar pelo outro. Um líder deverá estar atento a todos esses detalhes. A recompensa vem justamente em poder, a cada dia, tirar o máximo de bom de todas as pessoas e ajudá-las a conseguir o que precisam.

Referência

HUNTER, James C. O Monge e o Executivo: Uma história sobre a Essência da Liderança. 18. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.

Império dos maus

Recentemente pude ter a chance de refletir a respeito de alguns assuntos juntamente com os colegas da faculdade que me despertaram para algumas considerações novas e interessantes sobre a vida em sociedade, a ecologia, a nossa pequenez enquanto indivíduos perante a sociedade e de como todos esses pontos estão incrivelmente ligados.

A primeira delas foi a respeito do trabalho como forma de alienação do homem moderno ou pós-moderno. Alguns poucos séculos foram suficientes para que a capacidade de realização que o trabalhador possuía com o fruto do seu trabalho fosse destruída e substituída pela total impessoalidade do trabalho moderno. Os meios de produção em que vivemos atualmente simplesmente destituem o trabalhador daquilo que produz. Sua capacidade de ver-se no resultado do seu trabalho não mais existe e deu lugar apenas à alienação completa do ciclo produtivo.

O sistema capitalista tinha o princípio fundamental de permitir ao homem recém saído das agruras da Idade Média a possibilidade de liberdade à partir da utilização de seu corpo como uma máquina natural da melhor forma que lhe conviesse. Porém, com o aumento desmedido da concentração dos meios de produção nas mãos de poucos burgueses, esta relação tornou-se fortemente desfavorável ao trabalhador. A implementação do regime de salariato o impedia de achar alternativas ao novo sistema de consumo e produção ficando, dessa forma, impelido de forma compulsória às fábricas e à exploração de sua capacidade produtiva.

Com o desenrolar dessas atividades chegamos fatalmente às linhas de produção fordistas e aos padrões de consumo excessivamente desmedido da sociedade atual. O homem moderno tem uma forma estranhamente descabida de ver o mundo: sua vida resume-se em trabalhar hora a fio em um trabalho que não lhe pertence como igualmente não lhe pertencem os frutos desse trabalho. Não há realização pessoal nessas tarefas. Mas, como é da natureza humana, o homem sempre procura uma forma de permitir que seu espírito criador torne-se livre. Era o que acontecia com os escravos gregos, que de uma forma ou de outra realizavam algo onde pudessem libertar suas mentes, assim também acontecia com os servos medievais para permitir certa mobilidade criadora plantando ou fabricando algo. O homem moderno, no entanto, está em desvantagem em relação ao servo medieval e até mesmo com o escravo grego. Além de ter o resultado de seu trabalho expurgado de sua realidade as horas que lhe serviriam para projetar algo em que pudesse libertar sua mente da frustração do trabalho são fatalmente preenchidas por uma série de ideologias produzidas para que ele reproduza os padrões sociais necessários à continuidade da vida capitalista: o consumo.

Atualmente todos, sem exceção, eu ameaço afirmar, somos tomados pela volúpia do consumismo irreal, pela necessidade de valorizar o ter, atribuir valor ao inanimado e a desvalorizar a pessoa humana.A cada dia, a cada conversa, a cada compra que fazemos, a cada dia de trabalho, enfim a todo o momento estamos mutuamente nos embebedando das ideologias que nos impõem. E, ainda pior, reproduzimos cada uma delas como se disse dependesse nossa sobrevivência. É impressionante como não nos culpamos, como não nos responsabilizamos, como somos descrentes e usamos do descaso quando vemos alguém passando por privações desumanas seja de alimento, teto, roupas, dignidade, compreensão. Estamos como cegos para a realidade, distantes do mundo real e envoltos numa áurea virtual.


É certo que a grande, esmagadora maioria da humanidade não tem a mínima condição atualmente de questionar tais pontos. E isso se dá pois o próprio processo de alienação do trabalho se alastra pelas outras instâncias da vida e se manifesta na falta de reflexão sobre como os processos de aprisionamento ideológico se dão.

Mas o mais estarrecedor não é constatar que essa grande massa de seres humanos humilhados pelas ideologias e pela descrença mútua de seus consortes esteja alheia à todos esses complexos níveis de cárcere.

O mais estarrecedor é saber que aqueles que possuem certa capacidade de abstrair essas questões, que têm a possibilidade de interpretar, entender e julgar o porquê de tantas injustiças, distorções e misérias no nosso planeta, não são capazes de agir. A acomodação e a resignação dos que podem fazer alguma coisa também faz parte do julgo da alienação em que vivemos. Acreditar que o mundo é como está e que não há como mudar é abster-se da responsabilidade de mudança e, pior, conformar-se com as coisas como estão. Se um dia a força dos bons acabar entraremos definitivamente no império dos maus.